Para muitos bailarinos, transformar a paixão pela dança em profissão significa enfrentar um abismo entre seus valores pessoais e as tradições de suas famílias ou culturas, que nem sempre veem a dança como uma carreira viável. No entanto, esse conflito pode fortalecer a determinação e servir como um poderoso combustível para a criatividade. Ao explorar suas histórias pessoais, esses artistas encontram uma fonte valiosa de inspiração.
A seguir, apresentamos as jornadas de artistas que, ao lidarem com a oposição ou a incompreensão de suas comunidades, não apenas moldaram suas carreiras, mas também abriram novos caminhos para outros como eles. Suas histórias revelam como a disciplina, o processo criativo e a busca por identidade se tornam ferramentas de superação.
De Manila a Nova York: O Sonho de uma Vida
Diane Nicole Lee, uma bailarina freelancer radicada em Nova York, sabe bem o que é lutar por um sonho. Nascida em Manila, nas Filipinas, ela cresceu em uma cultura onde a dança raramente é vista como uma profissão séria. “Tenho muita compaixão e empatia pela minha família e nossa cultura”, explica ela. “Mas, nas Filipinas, a dança não é considerada uma carreira.”
Após sua mãe entrar em coma durante o ensino médio, Diane sentiu uma enorme responsabilidade de ajudar a administrar o negócio da família, deixando seu sonho de lado. Depois de um ano na faculdade e de representar seu país no programa “World of Dance”, ela tomou uma decisão: “Percebi que só tenho uma vida e que poderia ajudar minha família de outras maneiras”. Em 2017, mudou-se para Nova York, formou-se em novas mídias e, após a formatura em 2021, comunicou ao pai que era “agora ou nunca”. A conexão com outros bailarinos filipinos foi fundamental nessa transição, ajudando-a a encontrar uma nova comunidade e a provar que seu sonho era, sim, possível.
O Filho do Taxista que Conquistou o Palco
A história de Manish Chauhan, membro da Peridance Contemporary Dance Company, também é marcada pela superação de barreiras sociais. Criado em Mumbai, na Índia, em uma família de motoristas de táxi, seu pai desejava para ele um futuro diferente, em um escritório com ar-condicionado. A dança, como sua mãe costumava dizer, era “um hobby para crianças ricas”.
Determinado, Manish aprendeu a dançar sozinho e usou o dinheiro que ganhou em seu aniversário de 21 anos para pagar sua primeira aula de balé. Ele dançava em segredo, usando o dinheiro da faculdade, até que uma emergência familiar revelou tudo. “Eu me senti um inútil, como se não fosse um bom aluno, um bom filho, nem um bom bailarino”, lembra. Foi a tristeza profunda de Manish que convenceu seus pais a apoiá-lo pela primeira vez. Com a ajuda de bolsas de estudo, ele se mudou para os Estados Unidos aos 23 anos, enfrentando um enorme choque cultural, a solidão e a diferença de nível técnico em relação aos colegas mais jovens. “Mas eu queria dançar, e isso me tornou resiliente”, afirma. Hoje, ele envia dinheiro para sua família todos os meses e atribui seu sucesso a valores de sua cultura, como o profundo respeito pelo professor — seu guru — e a mentalidade de nunca dizer “não consigo”, mas sim tentar e aprender.
Fé e Movimento: A Coreografia da Aceitação
Para o coreógrafo canadense Peter Quanz, o obstáculo era a religião. Criado em uma pequena comunidade menonita, onde a dança era vista com desconfiança, ele teve que justificar sua paixão desde cedo. “Existe uma piada na nossa fé: não se pode fazer sexo porque pode levar à dança”, conta ele. Em vez de proibi-lo, sua comunidade o questionava: “Por quê?”.
Essa pergunta, segundo ele, foi fundamental. “Isso me ajudou a decidir que a dança era para mim e a defender o motivo da minha escolha.” Aos poucos, ele quebrou barreiras, chegando a apresentar uma de suas coreografias na igreja e explicando seu simbolismo. Sua criação artística foi profundamente influenciada por sua vivência, como a valorização de cada indivíduo no grupo, inspirada pelas harmonias de quatro vozes que ouvia nos cultos. “Uma comunidade honesta nunca existe sem conflito. Devemos abraçar o confronto quando ele é uma oportunidade para nos entendermos melhor”, reflete Quanz.
A Realidade por Trás das Sapatilhas: A Missão de Desmistificar o Balé
Enquanto alguns lutam contra barreiras externas, outros, como a ex-primeira bailarina Gavin Larsen, dedicam-se a combater os estereótipos que cercam o mundo da dança. Após uma carreira brilhante nos palcos, Larsen tornou-se professora e uma escritora aclamada, com a missão de mostrar a realidade da vida de um bailarino.
Em seu livro de memórias, Being a Ballerina, ela descreve uma trajetória real e com a qual muitos podem se identificar, longe dos clichês de perfeição e episódios psicóticos retratados em filmes como “Cisne Negro”. “A forma como o balé é retratado na mídia me deixa louca. É desrespeitoso com a minha forma de arte e com quem somos como pessoas”, desabafa Larsen. “Quero desmistificar para o público em geral o que significa ser um bailarino, como é essa identidade e essa vida.”
A Passagem do Bastão: O Legado da Mentoria
Um dos aspectos que Larsen mais valoriza e que é frequentemente ignorado pela mídia é a mentoria — a transmissão de conhecimento de uma geração para a outra. Ela relembra com carinho os mentores que a moldaram, como Francia Russell, que a ensinou a valsa em Serenade, de George Balanchine.
“Sempre senti que, ao aprender uma coreografia, eu estava me conectando com todos que já a dançaram antes de mim”, diz ela. Russell a acolheu nesse “clube de gerações”, e Larsen hoje sente o mesmo em relação ao ensino. “É algo tão palpável e importante neste mundo onde tudo está sendo automatizado. Sinto com muita força que a passagem da dança de pessoa para pessoa é um vínculo que não pode ser quebrado. É algo incrivelmente precioso.”
Sua história, assim como a dos outros artistas, mostra que a jornada na dança, embora repleta de desafios, é, acima de tudo, uma prova de resiliência, paixão e uma profunda conexão humana.